GENOMA PESQUISA

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

TEATRO GENOMA - O ATOR VAMPIRO


Essa busca por uma teatralidade nasceu de uma inquietação constante de meu espírito, mas principalmente depois de ter me encontrado com a obra de Antonin Artaud, o seu teatro e a peste, o teatro da crueldade, seus signos e símbolos, suas idéias despertaram em meu espírito uma incansável busca por um teatro de essência. Havia acabado de realizar um espetáculo sobre Artaud, estava embriagado de suas idéias, como se o espírito de Artaud povoasse meu pensamento. E foi exatamente nesse momento que ocorreu um encontro ainda mais avassalador para o meu processo criativo e criador, ganhei um livro de Alvarez de Azevedo, dentro deste livro havia uma página de um jornal antigo, era uma resenha sobre o poeta francês Arthur Rimbaud, ao ler sobre sua obra e sua vida, fui tomado de uma força descomunal, como uma lei da atração, no mesmo instante quis ler seus poemas, quis seus livros, seus dados biográficos, e vi em sua vida e em sua obra o ponto de partida para o meu fazer teatral. Naquele momento eu tinha um elenco muito jovem, de uma oficina teatral, anunciei para eles que iria realizar o espetáculo UMA ESTAÇÃO NO SILÊNCIO, sobre a vida e obra de Rimbaud, escrevi um roteiro a partir dos fragmentos de sua obra, com cenas simbólicas sobre sua vida, convidei atores experientes para fazer parte deste processo, e intuitivamente iniciei um processo autoral de estética e interpretação para essa montagem.

Eu precisava contar a história de Rimbaud, mas não poderia ser naturalista, pois Rimbaud era um poeta simbolista, então a partir da frase de Paul Claudel descrevendo Rimbaud, eu entendi o que deveria fazer. Claudel dizia que Rimbaud era um animal selvagem em estado místico.E foi o que determinei, eu queria a revelação do animal interior em estado selvagem de cada personagem, queria quebrar com o condicionamento, com o racional, queria os atores em suas personagens movidas pela liberação do estado instintivo, intuitivo e sensorial, sem a lógica racional. Cada ator teria o seu animal como totem de sua personagem, iniciamos um processo de exercícios na busca dos animais, o ator não poderia realizar a escolha do animal de forma racional, esse animal tinha que pedir para surgir na personagem, o animal escolheria a personagem, e não o ator. Mas nos primeiros exercícios, os animais que surgiram, tinham semelhanças de personalidades com os atores, e não com as personagens, mas não era isso que eu queria, eu queria semelhança de personalidade com as personagens, e prosseguimos nessa busca, até que cada ator realizasse o encontro do animal com sua personagem.
Finalmente conseguimos realizar esse encontro, e prosseguimos na realização do exercício cênico Uma Estação no Silêncio. Os atores surgiam na cena como animais, e permaneciam assim, realizando o que chamamos tecnicamente de hibridismo. Eu ainda não tinha esses termos, nem a consciência exata do que estava acontecendo, mas todos que viam este trabalho perceberam que ali tinha um trabalho autoral, o surgimento de uma linguagem, o principio de uma criação cênica. Em um determinado Festival, o júri que estava presente, debateu, indagou, questionou, e revelou que nossa obra era o futuro do teatro brasileiro, era um teatro novo, e por ser algo novo, as pessoas não iriam aceitar facilmente, que nós iríamos ouvir em nossa jornada, que o nosso trabalho não era teatro. E isso ocorreu muitas vezes, mas foi a partir desse dia, que obtive a consciência do que estava ocorrendo, do que havia sido conquistado, então prossegui na busca de tornar isso de fato em uma teatralidade a serviço do ator.
O ponto de partida já havia ocorrido, agora era preciso desenvolver o que foi descoberto de forma intuitiva e instintiva para um processo técnico em auxílio a interpretação do ator, percorrer novamente os caminhos do processo de Uma Estação no Silêncio para compreender e se apropriar do que havia sido realizado. Eis a tarefa mais árdua, teorizar aquilo que já tínhamos concretizado na pratica. Assim retornei a sala de ensaio, e reiniciei todo o processo de montagem do espetáculo sobre Rimbaud, agora com um novo elenco, e através desta atitude, surge a primeira teoria do Teatro Genoma, a Filosofia estética Teatro Dos Vampiros, que faz surgir o ator-vampiro.

Por quê o vampiro?

Racionalizando o processo empregado no exercício de Rimbaud, re-avaliando a frase de Claudel sobre Rimbaud – animal selvagem em estado místico – não há outra criatura mais mística e ao mesmo tempo selvagem do que o próprio vampiro. Então iniciei um mergulho sobre o mito dos vampiros, as lendas, as histórias, quanto mais eu pesquisava, mais tinha certeza de que o ator deveria ser um vampiro. Todo o mito do vampiro o relaciona ao poder da metamorfose, ele pode se transformar em um morcego, ou lobo, enfim há mitos em que o vampiro pode se transformar em qualquer animal que desejar. Essa metamorfose vampirica é o ponto comum com o que eu havia realizado no exercício de Rimbaud, os atores tinham que realizar uma metamorfose com animais. Ao identificar esse ponto, parti para buscar outras questões em comum do homem ator, com o homem vampiro. O vampiro necessita de sangue para se alimentar, principalmente do sangue humano, o ator necessita de absorver os acontecimentos da humanidade para acrescentar ao seu trabalho de ator. O vampiro vive nas trevas, o ator necessita estar nas trevas, para a personagem vir para a luz. Foi nessa idéia que denominei o ator do meu teatro, como ator-vampiro, e assim a Filosofia estética Teatro dos vampiros. Mas para o ator se tornar um ator vampiro é necessário um desregramento de todos os sentidos, um exercício contínuo, na busca do cotidiano, da quebra do cotidiano, a quebra do cotidiano é a transformação desse cotidiano em arte, e arte tem sua própria linguagem, seu próprio estado. O cotidiano pode nos trazer uma rotina viciosa, que nos torna inertes, é exatamente essa inércia que temos que transformar em movimento sagrado e contínuo, para a realização da ação dramática.
Chamamos isso de Deslocamento do cotidiano. O Deslocamento do cotidiano é dar uma nova dimensão a um acontecimento comum, a dimensão do estado interior, ou seja sagrar este acontecimento de forma única e genuína, tornando sagrado através do movimento e da utilização do extra-cotidiano, que é o totem animal.
Por exemplo: Rimbaud sagrou-se um grande poeta aos quinze anos com a carta do vidente, entre os dezessete e dezoito anos escreveu seus livros Uma Temporada no inferno e Iluminações, viveu um escandaloso romance com o grande poeta Paul Verlaine, depois abandonou a poesia e foi viver na Abissínia no continente africano, onde se tornou traficante de armas. Esse é o cotidiano comum do poeta, como realizar a quebra deste cotidiano e narra-la com a mesma beleza de seu acontecimento dentro do nosso teatro? Partindo da ótica interior de Rimbaud, a sua caverna interna, é ali que o ator deve morar, para trazer o deslocamento do cotidiano. Depois realizar a escolha do totem animal, vivenciar esse mesmo cotidiano na dimensão do tempo, espaço artístico, isso por si só já recria o cotidiano, e o torna sagrado. O ator-vampiro deve absorver todo esse estado selvagem interior e transforma-lo em ação. Mas não numa ação comum, ele tem que transmuta-la em uma ação extraordinária, realizando desta forma o fenômeno. Pois a arte em cima do palco tem que ultrapassar o cotidiano comum, ao estado de extraordinário, fenomenal, para realizar uma celebração ritualística junto ao espectador, onde ambos através deste fenômeno extra-cotidiano realizem a catarse, e ambos saiam deste ritual transformados e renovados biologicamente e espiritualmente. Despertando suas mentes para um novo olhar do cotidiano comum.
Mas para chegar a este processo, e principalmente ao estado de fenômeno, o ator precisa apropriar-se de si mesmo, dominar sua anatomia, conhecer o próprio interior, para só assim ter a capacidade integral de apropriar-se de outra vida, no caso do teatro a personagem. Isso necessita disciplina e sacrifício, para atingir a liberdade criativa. O que me levou a desenvolver este processo teatral, foi o meu inconformismo com a banalização de toda a cultura, é claro que possuímos algumas exceções, pessoas ocupadas em realizar um teatro, uma dramaturgia, que ultrapasse essa banalidade imediata e mídiatica. No Brasil temos um forte trabalho de pesquisa teatral, desenvolvido pelo grupo Lume, ligado a Universidade de Campinas, no interior de São Paulo. Pesquisa essa, que vem sendo realizada por muitos anos, e que trouxe resultados estéticos e interpretativos de grande ressonância no Brasil e no mundo, sem falar do grande mestre Antunes Filho e seu CPT (Centro de pesquisa Teatral), entre outros nomes ressonantes no Brasil e no exterior. Mas infelizmente essas informações não atinge a todos os estudantes, simpatizantes e o grande público de teatro. Agora cada um tem que encontrar o seu caminho, escolher a estrada para realizar a travessia, e foi através de meu inconformismo, que decidi romper com o teatro tradicional e naturalista, para iniciar uma travessia pelo desconhecido, ocupando-me apenas com o fazer teatral, com a investigação cênica, tentando entender, compreender, apreender todos os meandros de um processo interpretativo, todos os caminhos que poderia levar o ator a uma interpretação afetiva verdadeiramente orgânica, utilizando a técnica, o exercício.
Descobri que o grande segredo do ator-vampiro é o inconformismo, é não se sentir realizado com o resultado de uma cena. Pois isso o leva a um estado egocêntrico, vaidoso, e isso o afasta de sua personagem, e de uma interpretação genuína. O ator conformado, se acomoda, e pensa estar trabalhando numa profundidade maior do que de fato ele está. Quando na verdade ele trabalha num campo de superficialidade, esse é o maior pecado que pode ocorrer para um ator. Por isso o primeiro passo para uma interpretação verdadeira, é ser um inconformado, um questionador de si próprio e todas as coisas que estão em torno de si. É a busca constante de todas as possibilidades de ação, para uma mesma cena. Transformar-se, todos os dias, mudar de opinião, viver na duvida e se deixar levar pela força da vida.
É necessário o conhecimento, a cultura, quanto mais informação, maior é a possibilidade da duvida que nos guiará para a descoberta do objetivo, seja esse qual for. Faço essa afirmação pela própria experiência, e foi só por ser um inconformado que consegui desenvolver o teatro genoma, que nada mais é do que um instrumento de comunicação entre o meu pensamento do fazer teatral com o mundo. Mas foi necessário um sacrifício, uma dedicação e uma disciplina para chegar no encontro das respostas que me ator-mentavam, mas foi nessa tormenta que chegamos no processo de Rimbaud, e nas descoberta dessa teatralidade. Foi tudo isso que abriu o campo de percepção para a novidade que se revelava.
Em Rimbaud a utilização dos animais no processo extra cotidiano, nos trouxe uma interpretação mais instintiva, e era exatamente o que eu estava buscando, a liberação do instinto primitivo, primeiramente ele tinha que imergir, sem a racionalização, sem a consciência ou pela força do pensamento, o ator deveria liberar o seu próprio instinto primitivo, para depois criar e desenvolver o instinto primitivo de sua personagem, a partir do totem animal escolhido para sua personagem. Quando digo que o ator deveria liberar o seu próprio instinto animal, não trabalho no plano da memória emotiva, e sim da memória corporal, instintiva, aquilo que está adormecido dentro do corpo do ator, inerte, pois somos animais e primitivos, mas a educação civilizada nos tira esse instinto primitivo, nos condicionando a dogmas e paradigmas, somos condicionados a sermos civilizados, mas se como na história do menino lobo Mogli, fossemos criados em meio a selva por animais, agiríamos somente pelo instinto de sobrevivência, não haveria um pensamento racional e consciente, nem certo ou errado, apenas ações naturais. E é exatamente essas ações naturais que habitam no instinto primitivo, hoje o que realizamos são um número de ações não-naturais, as ações cotidianas convencionais.
Para entendermos o que estou falando é simples, fique um dia inteiro sem comer, isso o deixará com fome, muita fome, quando você for comer, liberte-se das convenções, e deixe o seu instinto primitivo agir, isso o deixará em uma ação natural, você imediatamente comerá utilizando as mãos, esquecendo dos talheres. Agora se você não conseguir liberar o instinto, realizará uma ação mecânica cotidiana convencional, mesmo faminto, louco para saciar sua fome, pegara prato, talheres, e comerá com extrema educação, principalmente se houver outras pessoas. Começamos aqui a compreender a utilização do totem animal, ele vem como interferência instintiva, para levar o ator para as ações naturais, rompendo as ações cotidianas, ou seja, não-naturais.

Vamos estabelecer uma ordem dramática para o melhor entendimento do processo, o texto teatral é o cotidiano. A quebra do cotidiano, ou seja, o extra-cotidiano é a interpretação do ator-vampiro.
Na montagem de Uma Estação no Silêncio, tínhamos um cotidiano em torno de um barco embriagado, um viajante delirante em sua poesia, as voltas com um escândalo amoroso, palavras com força poética e lírica incomum, de um jovem poeta a frente de seu tempo. Na criação do extra-cotidiano de Rimbaud, o ator Wagner Heinneck descobriu o totem animal da serpente, isso estabeleceu a gênese morfológica da personagem, que seria um híbrido derivado da genética de um humano Rimbaud, com uma serpente, criando um corpo novo, modificado geneticamente, agora o processo do extra-cotidiano, era realizar a movimentação desse corpo híbrido dentro do contexto do cotidiano, realizar uma investigação de gestos e expressões faciais, na experiência de um híbrido-serpente. A grande descoberta, foi que a primeira cena do Espetáculo, ou seja do cotidiano, remetia-se ao Rimbaud, com 37 anos de idade, tendo uma de suas pernas amputadas, o corpo da serpente é único, como se fosse apenas uma perna interiça.
Wagner inicia a cena como Rimbaud, movido pela busca das ações naturais, movido no primeiro instante apenas pelo instinto, fumando um cigarro, enquanto via todos os animais saindo dentro de si para o mundo. Dentro de sua Caverna Interna, ou seja a ótica interior suas visualizações eram tão selvagens quanto a própria cena do cotidiano, estabelecendo uma vibração sensorial, que é remetida de forma a se tornar uma consciência biológica, através do uso da respiração para criação de movimentos de tensão e relaxamento seguindo o bio-ritimo do extra-cotidiano. O que hoje chamo de tensão híbrida, mas naquele momento ainda não tinha essa consciência, e afirmo que ela demorou a surgir. Mas o uso das ações naturais através do despertar do instinto fez surgir a espontaneidade cênica, que nos levou ao extraordinário, ou seja o fenômeno.
O mais difícil para o elenco e para mim enquanto encenador, foi encontrar o ponto de esvaziamento do ator, para chegar no instinto, e nos movimentos de ações naturais. Isso exigiu a criação de recursos, como adaptação de exercícios para as necessidades exigidas, mas principalmente um estado de exaustão. Somente quando atingimos a exaustão do cotidiano, é que começaram a surgir as ações naturais, então o segredo era a repetição e a transformação dos movimentos, dos exercícios físicos híbridos e respiratórios, ensaios que chegavam a uma carga horária de 12 a 16 horas, para dentro de todo este período ter conquistado cinco minutos de movimentos
Espontâneos, produzidos pela intuição e o instinto de sobrevivência. Nesse período usávamos um exercício de origem japonesa do aclamado Tadashi Suzuki, que eu adaptei as minhas necessidades. O Ator se coloca na posição inicial do exercício, que exige plantas dos pés ao chão, pernas semi-flexionadas, os pés na direção dos ombros, braços relaxados ao lado do corpo, respiração diafragmática, e esvaziamento da mente, não pensar em absolutamente nada. Então o encenador utiliza um surdo, um cabo de vassoura, ou mesmo palmas, para criar um som, que cause a reação física, somente a reação física do ator, que ao criar o movimento, permanece estático, mudando este movimento somente com a repetição do som. A verdade é uma ação e reação, o encenador produz a ação, através do som, e o ator reage fisicamente, criando uma expressão corporal aleatória e instintiva. A adaptação que desenvolvi neste exercício, foi a utilização do totem animal, ou seja, o ator utilizando a morfologia híbrida para a realização do exercício, e as vezes a alteração do som por palavras abstratas, ou que remetam a estados emocionais. O ritmo do exercício é determinado pelo encenador, que pode demorar, ou mesmo acelerar a execução do som.Este exercício trabalha a concentração, o equilíbrio, a expressão facial e gestual, juntamente com a respiração. Para um estado grotesco, é importante o encenador, exigir do ator a criação de movimentos e expressões físicas rígidas, com extremo vigor físico, ou seja tensão.
Depois de uma conquista física, partimos para o trabalho da Caverna Interna, ou seja a ótica interior, neste caso foi desenvolvido exercícios tendo como base o texto do cotidiano, seus objetivos, cena a cena, suas intenções dramáticas, para isso criei o que chamo de Deslocamento de Subtexto da memória criativa. Os atores desenvolviam cenas, partindo das situações cotidianas, criando imagens, que serão utilizadas como a visualização interna da personagem, abolindo a memória emotiva, e desenvolvendo a memória criativa. Utilizando os recursos técnicos, e principalmente o imaginário do ator a favor da personagem, aproveitando a descoberta física da gênese morfológica, para a criação dessas imagens interiores.
Todos os atores podem criar juntos uma cena de subtexto, mesmo que ele não esteja na cena cotidiana, mas o seu imaginário pode ser útil e colaborador no auxilio de um companheiro de cena. É importante nesse momento o encenador deixar o ator com liberdade criativa, neste processo, o encenador apenas tem que deixar claro os objetivos dramáticos, para que o ator possa forjar as imagens interiores de sua personagem.
É importante a repetição e a transformação das cenas desenvolvidas, para que o ator possa apropriar-se da mesma, para que no ato do extra cotidiano, ele tenha sua visualização sem interferência pessoal. A personagem deve visualizar, e não o ator. O ator é o veiculo através da qual a personagem se movimenta, respira, e realiza o dialogo com a platéia, mas a história encenada não pertence ao ator, e sim a personagem que ele está desenvolvendo durante o exercício cênico. O encenador pode sugerir exercícios de improvisação, criando situações, que cabem no contexto da história das personagens, ou mesmo estabelecer signos, e a importância destes signos no ato da cena, o que seria a Associação imagética.
Por exemplo: um ator pega uma carta em cena, esta carta pertence ao seu melhor amigo, ele deve entregar esta carta aos pais de seu melhor amigo, sabendo que a carta é de um suicida, alguém que acabou de tirar a sua própria vida. Este é o contexto original da cena, uma cena normal. Na criação da caverna interna, essa cena poderia ser da seguinte forma, o ator caminha com a carta na mão, em direção aos pais de seu melhor amigo, mas na sua visualização, o que ele segura não é uma carta, e sim uma faca de dois gumes, que está cortando sua mão, ele visualiza o sangue escorrendo, e sabe que ao entregar a carta aos pais de seu amigo, suas mãos também se cortarão. È dar um novo significado a um signo. Neste caso o signo é a carta, o novo significado é visualizar a carta como uma faca. Essa criação alternativa é que vai para a ótica interior da personagem.
Estes foram os caminhos percorridos de forma intuitiva no primeiro momento, mas depois estabelecendo a ordem dramática, fui descobrindo cada passo realizado, e aí os codificando para estabelecer uma linguagem do meu fazer teatral, isto ocorreu na primeira fase do teatro genoma, que ainda não tinha esse nome, eu chamava de Teatro dos Vampiros, mas ainda faltava aprimorar, e quem sabe encontrar novos recursos para este processo, e a única forma de realizar isso, era entrar no laboratório, para desenvolver exercícios que pudessem guiar o ator ao encontro dos resultados que estava perseguindo, e nada melhor que o exercício de uma nova montagem teatral, por isso a linguagem acabou sendo denominada Teatro Genoma Work in Progress, pois ela estabelece o progresso interpretativo através do exercício cênico, ou seja da continuidade do fazer teatral.
É aqui que encerro o primeiro ciclo, entre a minha intuição e o inicio da sistematização, para uma nova busca, pois sou um inconformado, e minha inconformidade desperta uma fome voraz por conhecimento. O texto a seguir, foram os pensamentos filosóficos que escrevi neste período, com relação ao ator-vampiro diante do mundo que é o palco para o Teatro dos Vampiros.

Um comentário:

Wagner Heineck disse...

Numa busca pelo google de alguma imagem do espetáculo "Uma estação no silêncio", me deparei com imensa surpresa com esta página. Quanta nostalgia ao relembrar do processo do espetáculo "Uma estação no silêncio"... ainda lembro quando o Rodrigo Marcondes me convidou para interpretar o "selvagem" Rimbaud, logo após eu me apresentar com o espetáculo "Alemanha, uma história de medo". Lembro que o prazo para a estréia era muito curto e que a principio eu recusei achando que não seria capaz de realizá-lo, mas o Rodrigo, apaixonado pela idéia, insistiu para que eu fosse ao menos à leitura e conhecesse do que se tratava aquele personagem. Feito isso, tive meu primeiro contato com Rimbaud, e apaixonadamente me identifiquei e aceitei o desafio de interpretá-lo. Foi um processo delicioso, de uma entrega total e de muitas descobertas para mim, e creio para todos que ali estiveram. A estréia foi impactante e inesquecível, público e artistas metamorfoseando-se em palavras proféticas-poéticas rimbaudianas.
Depois disso, Rimbaud passou a morar dentro de mim, continuei a pesquisa por esse anjo rebelde, e no ano de 2003 montei o solo performático “Rambô” o qual me apresento até hoje em eventos por todo o Brasil.
Rodrigo me apresentou Rimbaud, eu lhe apresentei a serpente, ele fundiu os dois, e eu me fundí a eles...
Salve Rimbaud!!!