MANIFESTO
TEATRO GENOMA
Manifesto
Teatro Genoma Genes, criação, ovulação, fecundação, o gerar da
vida viva, e o que é o teatro se não o gerar e fecundar a vida no
palco numa relação onde toda uma existência está em jogo, a
existência de toda uma etnia, uma civilização, e de todos os seres
vivos se manifestam num espetáculo teatral, num ritual sagrado de
celebração cênica. O teatro genoma vem buscar a vitalidade
orgânica de cada personagem na origem de sua criação genética e
genealógica, para realizar a manifestação, a gestação deste ser
individual que cabe ao ator como único e sagrado instrumento do
teatro fecundar a genes, o DNA, que vai sagrar sua personagem
fisicamente, moralmente com toda a sua vitalidade. O teatro genoma
vem para trazer ao palco o sagrado genes de cada ser, uma
teatralidade verdadeiramente orgânica e afetiva, que exige do ator a
busca de sua ancestralidade. Mas principalmente do ancestral
genealógico de sua personagem, e toda sua Herança Genética e
Hereditária, pois somos o que comemos, o que bebemos, o que
defecamos, tudo o que fazemos geneticamente se reflete nos que virão
depois, nossos filhos, netos, bisnetos, toda uma geração do porvir.
O teatro genoma é um instrumento da geração de uma arte
interpretativa engajada na descoberta do ser absoluto da personagem,
em energia cósmica e energia orgânica, ações naturais primitivas
as ações não-naturais de um estado contemporâneo, uma evolução
do ethos heroico
das tragédias. mental e espiritual da existência do ser(personagem)
com o sagrado rito na relação com o espectador, para revelar o
movimento energético deste ser entre o micro-cosmo e o
macro-universo
O que pretendemos é a descoberta do desenvolvimento físico, , não
queremos nada mais que a realização de uma realizando o fenômeno
natural do encontro dos estados interiores e ancestrais de
ator-personagem com o espectador. Tornando o estado virtual numa
verdade coletiva e real, o tempo, espaço e ação do rito teatral.
Revelando a própria vida com a força da criação. Isto é o Teatro
Genoma!!! Este é o compromisso de nossa teatralidade, fugir dos
atalhos, e mergulhar no genes do mundo!!!celebração ritualística,
onde a verdade se manifesta em cena, Evoé Baco!! Rodrigo Marcondes
Praia Grande, 04 de maio, de 2005.
DOSSIÊ
– UMA ESTAÇÃO NO SILÊNCIO – O NASCIMENTO DO TEATRO GENOMA
Anexo
da Proposta de Encenação
Essa
busca por uma teatralidade nasceu de uma inquietação constante de
meu espírito, mas principalmente depois de ter me encontrado com a
obra de Antonin Artaud, o seu teatro e a peste, o teatro da
crueldade, seus signos e símbolos, suas idéias despertaram em meu
espírito uma incansável busca por um teatro de essência. Havia
acabado de realizar um espetáculo sobre Artaud, estava embriagado de
suas idéias, como se o espírito de Artaud povoasse meu pensamento.
E
foi exatamente nesse momento que ocorreu um encontro ainda mais
avassalador para o meu processo criativo e criador, ganhei um livro
de Alvarez de Azevedo, dentro deste livro havia uma página de um
jornal antigo, era uma resenha sobre o poeta francês Arthur Rimbaud,
ao ler sobre sua obra e sua vida, fui tomado de uma força
descomunal, como uma lei da atração, no mesmo instante quis ler
seus poemas, quis seus livros, seus dados biográficos, e vi em sua
vida e em sua obra o ponto de partida para o meu fazer teatral.
Naquele
momento eu tinha um elenco muito jovem, de uma oficina teatral,
anunciei para eles que iria realizar o espetáculo UMA ESTAÇÃO NO
SILÊNCIO, sobre a vida e obra de Rimbaud, escrevi um roteiro a
partir dos fragmentos de sua obra, com cenas simbólicas sobre sua
vida, convidei atores experientes para fazer parte deste processo, e
intuitivamente iniciei um processo autoral de estética e
interpretação para essa montagem. Eu
precisava contar a história de Rimbaud, mas não poderia ser
naturalista, pois Rimbaud era um poeta simbolista, então a partir da
frase de Paul Claudel descrevendo Rimbaud, eu entendi o que deveria
fazer. Claudel dizia que Rimbaud era um animal selvagem em estado
místico.E foi o que determinei, eu queria a revelação do animal
interior em estado selvagem de cada personagem, queria quebrar com o
condicionamento, com o racional, queria os atores em suas personagens
movidas pela liberação do estado instintivo, intuitivo e sensorial,
sem a lógica racional. Cada ator teria o seu animal como totem de
sua personagem, iniciamos um processo de exercícios na busca dos
animais, o ator não poderia realizar a escolha do animal de forma
racional, esse animal tinha que pedir para surgir na personagem, o
animal escolheria a personagem, e não o ator.
Mas
nos primeiros exercícios, os animais que surgiram, tinham
semelhanças de personalidades com os atores, e não com as
personagens, mas não era isso que eu queria, eu queria semelhança
de personalidade com as personagens, e prosseguimos nessa busca, até
que cada ator realizasse o encontro do animal com sua
personagem. Finalmente conseguimos
realizar esse encontro, e prosseguimos na realização do exercício
cênico Uma Estação no Silêncio. Os atores surgiam na cena como
animais, e permaneciam assim, realizando o que chamamos tecnicamente
de hibridismo. Eu ainda não tinha esses termos, nem a consciência
exata do que estava acontecendo, mas todos que viam este trabalho
perceberam que ali tinha um trabalho autoral, o surgimento de uma
linguagem, o principio de uma criação cênica. Em um determinado
Festival, o júri que estava presente, debateu, indagou, questionou,
e revelou que nossa obra era o futuro do teatro brasileiro, era um
teatro novo, e por ser algo novo, as pessoas não iriam aceitar
facilmente, que nós iríamos ouvir em nossa jornada, que o nosso
trabalho não era teatro. E isso ocorreu muitas vezes, mas foi a
partir desse dia, que obtive a consciência do que estava ocorrendo,
do que havia sido conquistado, então prossegui na busca de tornar
isso de fato em uma teatralidade a serviço do ator.
O ponto de partida já havia ocorrido, agora era preciso desenvolver
o que foi descoberto de forma intuitiva e instintiva para um processo
técnico em auxílio a interpretação do ator, percorrer novamente
os caminhos do processo de Uma Estação no Silêncio para
compreender e se apropriar do que havia sido realizado. Eis a tarefa
mais árdua, teorizar aquilo que já tínhamos concretizado na
pratica. Assim retornei a sala de ensaio, e reiniciei todo o processo
de montagem do espetáculo sobre Rimbaud, agora com um novo elenco, e
através desta atitude, surge a primeira teoria do Teatro Genoma, a
Filosofia estética Teatro Dos Vampiros, que faz surgir o
ator-vampiro. Por quê o vampiro? Racionalizando o processo empregado
no exercício de Rimbaud, re-avaliando a frase de Claudel sobre
Rimbaud – animal selvagem em estado místico – não há outra
criatura mais mística e ao mesmo tempo selvagem do que o próprio
vampiro.
Então
iniciei um mergulho sobre o mito dos vampiros, as lendas, as
histórias, quanto mais eu pesquisava, mais tinha certeza de que o
ator deveria ser um vampiro. Todo o mito do vampiro o relaciona ao
poder da metamorfose, ele pode se transformar em um morcego, ou lobo,
enfim há mitos em que o vampiro pode se transformar em qualquer
animal que desejar. Essa metamorfose vampiríca é o ponto comum com
o que eu havia
realizado
no exercício de Rimbaud, os atores tinham que realizar uma
metamorfose com animais.
Ao
identificar esse ponto, parti para buscar outras questões em comum
do homem ator, com o homem vampiro. O vampiro necessita de sangue
para se alimentar, principalmente do sangue humano, o ator necessita
de absorver os acontecimentos da humanidade para acrescentar ao seu
trabalho de ator. O vampiro vive nas trevas, o ator necessita estar
nas trevas, para a personagem vir para a luz. Foi nessa idéia que
denominei o ator do meu teatro, como ator-vampiro, e assim a
Filosofia estética Teatro dos vampiros.
Mas
para o ator se tornar um ator vampiro é necessário um desregramento
de todos os sentidos, um exercício contínuo, na busca do cotidiano,
da quebra do cotidiano, a quebra do cotidiano é a transformação
desse cotidiano em arte, e arte tem sua própria linguagem, seu
próprio estado. O cotidiano pode nos trazer uma rotina viciosa, que
nos torna inertes, é exatamente essa inércia que temos que
transformar em movimento sagrado e contínuo, para a realização da
ação dramática. Chamamos isso de
Deslocamento do cotidiano. O Deslocamento do cotidiano é dar uma
nova dimensão a um acontecimento comum, a dimensão do estado
interior, ou seja sagrar este acontecimento de forma única e
genuína, tornando sagrado através do movimento e da utilização do
extra-cotidiano, que é o totem animal. Por exemplo: Rimbaud
sagrou-se um grande poeta aos quinze anos com a carta do vidente,
entre os dezessete e dezoito anos escreveu seus livros Uma Temporada
no inferno e Iluminações, viveu um escandaloso romance com o grande
poeta Paul Verlaine, depois abandonou a poesia e foi viver na
Abissínia no continente africano, onde se tornou traficante de
armas.
Esse
é o cotidiano comum do poeta, como realizar a quebra deste cotidiano
e narra-la com a mesma beleza de seu acontecimento dentro do nosso
teatro? Partindo da ótica interior de Rimbaud, a sua caverna
interna, é ali que o ator deve morar, para trazer o deslocamento do
cotidiano. Depois realizar a escolha do totem animal, vivenciar esse
mesmo cotidiano na dimensão do tempo, espaço artístico, isso por
si só já recria o cotidiano, e o torna sagrado. O ator-vampiro deve
absorver todo esse estado selvagem interior e transforma-lo em ação.
Mas não numa ação comum, ele tem que transmuta-la em uma ação
extraordinária, realizando desta forma o fenômeno.
Pois
a arte em cima do palco tem que ultrapassar o cotidiano comum, ao
estado de extraordinário, fenomenal, para realizar uma celebração
ritualística junto ao espectador, onde ambos através deste fenômeno
extra-cotidiano realizem a catarse, e ambos saiam deste ritual
transformados e renovados
biologicamente
e espiritualmente. Despertando suas mentes para um novo olhar do
cotidiano comum. Mas para chegar a este processo, e principalmente ao
estado de fenômeno, o ator precisa apropriar-se de si mesmo, dominar
sua anatomia, conhecer o próprio interior, para só assim ter a
capacidade integral de apropriar-se de outra vida, no caso do teatro
a personagem. Isso necessita disciplina e sacrifício, para atingir a
liberdade criativa.
O
que me levou a desenvolver este processo teatral, foi o meu
inconformismo com a banalização de toda a cultura, é claro que
possuímos algumas exceções, pessoas ocupadas em realizar um
teatro, uma dramaturgia, que ultrapasse essa banalidade imediata e
mIdIatÍca. No Brasil temos um forte trabalho de pesquisa teatral,
desenvolvido pelo grupo Lume, ligado a Universidade de Campinas, no
interior de São Paulo.
Pesquisa
essa, que vem sendo realizada por muitos anos, e que trouxe
resultados estéticos e interpretativos de grande ressonância no
Brasil e no mundo, sem falar do grande mestre Antunes Filho e seu CPT
(Centro de pesquisa Teatral), entre outros nomes ressonantes no
Brasil e no exterior. Mas infelizmente essas informações não
atinge a todos os estudantes, simpatizantes e o grande público de
teatro. Agora cada um tem que encontrar o seu caminho, escolher a
estrada para realizar a travessia, e foi através de meu
inconformismo, que decidi romper com o teatro tradicional e
naturalista, para iniciar uma travessia pelo desconhecido,
ocupando-me apenas com o fazer teatral, com a investigação cênica,
tentando entender, compreender, apreender todos os meandros de um
processo interpretativo, todos os caminhos que poderia levar o ator a
uma interpretação afetiva verdadeiramente orgânica, utilizando a
técnica, o exercício.
Descobri
que o grande segredo do ator-vampiro é o inconformismo, é não se
sentir realizado com o resultado de uma cena. Pois isso o leva a um
estado egocêntrico, vaidoso, e isso o afasta de sua personagem, e de
uma interpretação genuína. O ator conformado, se acomoda, e pensa
estar trabalhando numa profundidade maior do que de fato ele está.
Quando na verdade ele trabalha num campo de superficialidade, esse é
o maior pecado que pode ocorrer para um ator.
Por
isso o primeiro passo para uma interpretação verdadeira, é ser um
inconformado, um questionador de si próprio e todas as coisas que
estão em torno de si. É a busca constante de todas as
possibilidades de ação, para uma mesma cena. Transformar-se, todos
os dias, mudar de opinião, viver na duvida e se deixar levar pela
força da vida. É necessário o
conhecimento, a cultura, quanto mais informação, maior é a
possibilidade da duvida que nos guiará para a descoberta do
objetivo, seja esse qual for. Faço essa afirmação pela própria
experiência, e foi só por ser um inconformado que consegui
desenvolver o teatro genoma, que nada mais é do que um instrumento
de comunicação entre o meu pensamento do fazer teatral com o mundo.
Mas
foi necessário um sacrifício, uma dedicação e uma disciplina para
chegar no encontro das respostas que me ator-mentavam, mas foi nessa
tormenta que chegamos no processo de Rimbaud, e na descoberta dessa
teatralidade. Foi tudo isso que abriu o campo de percepção para a
novidade que se revelava. Em Rimbaud a utilização dos animais no
processo extra cotidiano, nos trouxe uma interpretação mais
instintiva, e era exatamente o que eu estava buscando, a liberação
do instinto primitivo, primeiramente ele tinha que imergir, sem a
racionalização, sem a consciência ou pela força do pensamento, o
ator deveria liberar o seu próprio instinto primitivo, para depois
criar e desenvolver o instinto primitivo de sua personagem, a partir
do totem animal escolhido para sua personagem.
Quando
digo que o ator deveria liberar o seu próprio instinto animal, não
trabalho no plano da memória emotiva, e sim da memória corporal,
instintiva, aquilo que está adormecido dentro do corpo do ator,
inerte, pois somos animais e primitivos, mas a educação civilizada
nos tira esse instinto primitivo, nos condicionando a dogmas e
paradigmas, somos condicionados a sermos civilizados, mas se como na
história do menino lobo Mogli, fossemos criados em meio a selva por
animais, agiríamos somente pelo instinto de sobrevivência, não
haveria um pensamento racional e consciente, nem certo ou errado,
apenas ações naturais. E é exatamente essas ações naturais que
habitam no instinto primitivo, hoje o que realizamos são um número
de ações não-naturais, as ações cotidianas convencionais. Para
entendermos o que estou falando é simples, fique um dia inteiro sem
comer, isso o deixará com fome, muita fome, quando você for comer,
liberte-se das convenções, e deixe o seu instinto primitivo agir,
isso o deixará em uma ação natural, você imediatamente comerá
utilizando as mãos, esquecendo dos talheres. Agora se você não
conseguir liberar o instinto, realizará uma ação mecânica
cotidiana convencional, mesmo faminto, louco para saciar sua fome,
pegara prato, talheres, e comerá com extrema educação,
principalmente se houver outras pessoas. Começamos aqui a
compreender a utilização do totem animal, ele vem como
interferência instintiva, para levar o ator para as ações
naturais, rompendo as ações cotidianas, ou seja, não-naturais.
Vamos estabelecer uma ordem dramática para o melhor
entendimento
do processo, o texto teatral é o cotidiano. A quebra do cotidiano,
ou seja, o extra-cotidiano é a interpretação do ator-vampiro.
Na montagem de Uma Estação no Silêncio, tínhamos um cotidiano em
torno de um barco embriagado, um viajante delirante em sua poesia, as
voltas com um escândalo amoroso, palavras com força poética e
lírica incomum, de um jovem poeta a frente de seu tempo. Na criação
do extra-cotidiano de Rimbaud, o ator Wagner Heinneck descobriu o
totem animal da serpente, isso estabeleceu a gênese morfológica da
personagem, que seria um híbrido derivado da genética de um humano
Rimbaud, com uma serpente, criando um corpo novo, modificado
geneticamente, agora o processo do extra-cotidiano, era realizar a
movimentação desse corpo híbrido dentro do contexto do cotidiano,
realizar uma investigação de gestos e expressões faciais, na
experiência de um híbrido-serpente.
A
grande descoberta, foi que a primeira cena do Espetáculo, ou seja do
cotidiano, remetia-se ao Rimbaud, com 37 anos de idade, tendo uma de
suas pernas amputadas, o corpo da serpente é único, como se fosse
apenas uma única perna . Wagner inicia a cena como Rimbaud, movido
pela busca das ações naturais, movido no primeiro instante apenas
pelo instinto, fumando um cigarro, enquanto via todos os animais
saindo dentro de si para o mundo.
Dentro
de sua Caverna Interna, ou seja a ótica interior suas visualizações
eram tão selvagens quanto a própria cena do cotidiano,
estabelecendo uma vibração sensorial, que é remetida de forma a se
tornar uma consciência biológica, através do uso da respiração
para criação de movimentos de tensão e relaxamento seguindo o
bio-ritimo do extra-cotidiano. O que hoje chamo de tensão híbrida,
mas naquele momento ainda não tinha essa consciência, e afirmo que
ela demorou a surgir. Mas o uso das ações naturais através do
despertar do instinto fez surgir a espontaneidade cênica, que nos
levou ao extraordinário, ou seja o fenômeno. O mais difícil para o
elenco e para mim enquanto encenador, foi encontrar o ponto de
esvaziamento do ator, para chegar no instinto, e nos movimentos de
ações naturais. Isso exigiu a criação de recursos, como adaptação
de exercícios para as necessidades exigidas, mas principalmente um
estado de exaustão. Somente quando atingimos a exaustão do
cotidiano, é que começaram a surgir as ações naturais, então o
segredo era a repetição e a transformação dos movimentos, dos
exercícios físicos híbridos e respiratórios, ensaios que chegavam
a uma carga horária de 12 a 16 horas, para dentro de todo este
período ter conquistado cinco minutos de movimentos
Espontâneos, produzidos pela intuição e o instinto de
sobrevivência. Nesse
período
usávamos um exercício de origem japonesa do aclamado Tadashi
Suzuki, que eu adaptei as minhas necessidades.
O
Ator se coloca na posição inicial do exercício, que exige plantas
dos pés ao chão, pernas semi-flexionadas, os pés na direção dos
ombros, braços relaxados ao lado do corpo, respiração
diafragmática, e esvaziamento da mente, não pensar em absolutamente
nada. Então o encenador utiliza um surdo, um cabo de vassoura, ou
mesmo palmas, para criar um som, que cause a reação física,
somente a reação física do ator, que ao criar o movimento,
permanece estático, mudando este movimento somente com a repetição
do som.
A
verdade é uma ação e reação, o encenador produz a ação,
através do som, e o ator reage fisicamente, criando uma expressão
corporal aleatória e instintiva. A adaptação que desenvolvi neste
exercício, foi a utilização do totem animal, ou seja, o ator
utilizando a morfologia híbrida para a realização do exercício, e
as vezes a alteração do som por palavras abstratas, ou que remetam
a estados emocionais. O ritmo do exercício é determinado pelo
encenador, que pode demorar, ou mesmo acelerar a execução do som.
Este exercício trabalha a concentração, o equilíbrio, a expressão
facial e gestual, juntamente com a respiração. Para um estado
grotesco, é importante o encenador, exigir do ator a criação de
movimentos e expressões físicas rígidas, com extremo vigor físico,
ou seja tensão. Depois de uma
conquista física, partimos para o trabalho da Caverna Interna, ou
seja a ótica interior, neste caso foi desenvolvido exercícios tendo
como base o texto do cotidiano, seus objetivos, cena a cena, suas
intenções dramáticas, para isso criei o que chamo de Deslocamento
de Subtexto da memória criativa. Os atores desenvolviam cenas,
partindo das situações cotidianas, criando imagens, que serão
utilizadas como a visualização interna da personagem, abolindo a
memória emotiva, e desenvolvendo a memória criativa. Utilizando os
recursos técnicos, e principalmente o imaginário do ator a favor da
personagem, aproveitando a descoberta física da gênese morfológica,
para a criação dessas imagens interiores.
Todos os atores podem criar juntos uma cena de subtexto, mesmo que
ele não esteja na cena cotidiana, mas o seu imaginário pode ser
útil e colaborador no auxilio de um companheiro de cena. É
importante nesse momento o encenador deixar o ator com liberdade
criativa, neste processo, o encenador apenas tem que deixar claro os
objetivos dramáticos, para que o ator possa forjar as imagens
interiores de sua personagem. É importante a repetição e a
transformação das cenas desenvolvidas, para que o ator possa
apropriar-se da mesma, para
que
no ato do extra cotidiano, ele tenha sua visualização sem
interferência pessoal.
A
personagem deve visualizar, e não o ator. O ator é o veiculo
através da qual a personagem se movimenta, respira, e realiza o
dialogo com a platéia, mas a história encenada não pertence ao
ator, e sim a personagem que ele está desenvolvendo durante o
exercício cênico. O encenador pode sugerir exercícios de
improvisação, criando situações, que cabem no contexto da
história das personagens, ou mesmo estabelecer signos, e a
importância destes signos no ato da cena, o que seria a Associação
imagética. Por exemplo: um ator pega uma carta em cena, esta carta
pertence ao seu melhor amigo, ele deve entregar esta carta aos pais
de seu melhor amigo, sabendo que a carta é de um suicida, alguém
que acabou de tirar a sua própria vida. Este é o contexto original
da cena, uma cena normal. Na criação da caverna interna, essa cena
poderia ser da seguinte forma, o ator caminha com a carta na mão, em
direção aos pais de seu melhor amigo, mas na sua visualização, o
que ele segura não é uma carta, e sim uma faca de dois gumes, que
está cortando sua mão, ele visualiza o sangue escorrendo, e sabe
que ao entregar a carta aos pais de seu amigo, suas mãos também se
cortarão.
È
dar um novo significado a um signo. Neste caso o signo é a carta, o
novo significado é visualizar a carta como uma faca. Essa criação
alternativa é que vai para a ótica interior da personagem. Estes
foram os caminhos percorridos de forma intuitiva no primeiro momento,
mas depois estabelecendo a ordem dramática, fui descobrindo cada
passo realizado, e aí os codificando para estabelecer uma linguagem
do meu fazer teatral, isto ocorreu na primeira fase do teatro genoma,
que ainda não tinha esse nome, eu chamava de Teatro dos Vampiros,
mas ainda faltava aprimorar, e quem sabe encontrar novos recursos
para este processo, e a única forma de realizar isso, era entrar no
laboratório, para desenvolver exercícios que pudessem guiar o ator
ao encontro dos resultados que estava perseguindo, e nada melhor que
o exercício de uma nova montagem teatral, por isso a linguagem
acabou sendo denominada Teatro Genoma Work in Progress, pois ela
estabelece o progresso interpretativo através do exercício cênico,
ou seja da continuidade do fazer teatral.
É aqui que encerro o primeiro ciclo, entre a minha intuição e o
inicio da sistematização, para uma nova busca, pois sou um
inconformado, e minha inconformidade desperta uma fome voraz por
conhecimento.
Extraído do livro
“TEATRO GENOMA - WORK IN PROGRESS” de RODRIGO MARCONDES publicado
pela editora Literata no ano de 2010.
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